Folha de S. Paulo
A escalada dos preços dos combustíveis em 2021 intensificou pressões pela liberação do self-service em postos de gasolina, modelo difundido nos Estados Unidos e na Europa no qual o próprio consumidor abastece seu veículo.
A mudança é tema de propostas no Congresso e é defendida por parte do segmento de revenda. Os defensores alegam que a redução dos custos trabalhistas levará à queda no preço final dos combustíveis.
A mudança é rechaçada por sindicatos de frentistas e vista com pouco entusiasmo pela própria Fecombustíveis (Federação Nacional do Comércio Varejista de Combustíveis e Lubrificantes).
O self-service nos postos foi proibido em 2000, com a aprovação de projeto de lei que alegava riscos para o consumidor. “A manipulação de combustíveis diretamente pelo público consumidor poderá acarretar elevados riscos para pessoas não treinadas para trabalhar como frentistas nos postos”, afirmava a justificativa do projeto.
Por enquanto, a proposta tem enfrentado resistências no Congresso, mas há uma série de iniciativas para tentar implantar o self-service. Um dos projetos de lei é do deputado federal Vinícius Poit (Novo-SP), que foi avaliado no início do mês em comissão na Câmara.
Além disso, esteve em duas emendas da MP (medida provisória) dos Combustíveis, em tramitação no Senado, que libera a venda direta de etanol das usinas produtoras para os postos. Uma delas é do deputado federal Kim Kataguiri (DEM-SP) e outra da deputada federal Adriana Ventura (Novo-SP).
Nos dois casos, os parlamentares alegam que a permissão para o autosserviço ajudaria a reduzir os preços. Ventura lembra que o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) sugeriu a medida como uma das alternativas para reduzir a concentração no setor de combustíveis em parecer de 2018.
“Esta restrição não faz sentido do ponto de vista econômico, tampouco do ponto de vista do consumidor”, diz a deputada. “A título de comparação, em supermercados, bancos, restaurantes, cinemas, companhias aéreas etc., é possível o autoatendimento. Por que seria diferente com o setor de combustíveis?”
A comparação também é usada pela parte da revenda que defende a medida. “A nossa é a única atividade que proíbe o autoatendimento”, diz Luiz Antônio Amin, presidente do Sincopetro-SC (Sindicato do Comércio Varejista de Derivados de Petróleo de Santa Catarina).
O presidente do Paranapetro (sindicato de postos do Paraná), Rui Cichella, afirma que a redução dos custos trabalhistas poderia representar um corte de até 5% no preço final dos combustíveis.
“Mas isso depende do tamanho do posto e da região”, ressalta. “O Brasil precisa se desenvolver. Não podemos ficar esperando de braços cruzados esperando que vai baixar o custo naturalmente”, defende.
Os dois representantes alegam que o Brasil começará em 2022 um processo de mudança obrigatória nas bombas de combustíveis para instalar equipamentos com maior segurança contra fraudes e o ideal seria aprovar a liberação do self-service antes, para que os postos aproveitem para comprar bombas adequadas, já com meios de pagamento.
TEMPO PARA ENCHER O TANQUE É MAIOR
Para a Fecombustíveis, porém, a simples implantação do autosserviço teria pouco efeito sobre os preços. Primeiro, porque a maioria dos postos brasileiros fica em terrenos pequenos, que dificultam o abastecimento de vários veículos ao mesmo tempo. E quanto mais tempo o abastecimento demora, maior o risco de queda nas vendas.
“O frentista leva 2 minutos e 40 segundos, em média, para encher um tanque na reserva. No self-service, gasta-se dez minutos, em média”, diz o presidente da entidade, Paulo Miranda. “Para vender a mesma quantidade [com o autoatendimento], um posto teria tem que triplicar o número de bombas.”
Em segundo lugar, afirma Miranda, o custo com mão de obra representa entre 40% e 55% da margem dos postos. Mesmo sem nenhum frentista, a economia seria, portanto, de metade da margem. Em Curitiba, diz, a margem média é de R$ 0,30 por litro. O fim dos frentistas representaria, assim, uma economia de R$ 0,15 por litro.
Miranda lembra ainda o risco de desemprego entre os frentistas, em um momento em que o mercado de trabalho atravessa grave crise. O setor hoje emprega cerca de 500 mil pessoas no país.
“Se multiplicar por quatro, o tamanho de uma família média, dá dois milhões de pessoas que vivem diretamente desse trabalho. É um impacto muito grande”, argumenta o primeiro vice-presidente da Fenepospetro (Federação Nacional dos Frentistas), Francisco Soares de Souza.
A entidade defende que a liberação do autosserviço só reduziria o preço final em 1,72%.
Os revendedores do Paraná e de Santa Catarina propõem um programa de qualificação para que os frentistas demitidos consigam recolocação em outras atividades, citando como exemplo a construção civil. “Tem condição de pagar melhor do que o posto revendedor”, afirma Amin.
Cichello acrescenta que as demissões se dariam “ao longo de anos”, já que a adaptação dos postos ao novo modelo leva tempo.
“Quem está num posto de serviço com 20, 30 anos não vai arrumar serviço em outro lugar. Não está preparado para outra profissão”, rebate Souza, da federação dos frentistas.