Fonte: Folha de S.Paulo
Uma comitiva brasileira visitou Estados Unidos, Índia e China no fim de maio. O objetivo foi apresentar aos maiores mercados automotivos do planeta as vantagens ambientais do etanol em comparação à gasolina e aos veículos 100% elétricos.
A viagem foi organizada pela Unica (União da Indústria de Cana-de-Açúcar), que aproveita a evolução dos automóveis para, enfim, transformar o combustível de origem vegetal em uma alternativa global para reduzir emissões de CO2 (gás carbônico).
O objetivo é ampliar a produção nacional e tornar o Brasil um país exportador de etanol e de tecnologias para carros híbridos flex, capazes de rodar com álcool, gasolina e eletricidade.
Caso os planos deem certo, será o ápice de uma história que começou com incentivos governamentais nos anos 1970, conquistou mercado e naufragou devido crises de abastecimento.
Renato Romio, diretor do Instituto Mauá de Tecnologia, lembra que 97% dos veículos novos produzidos no Brasil em 1985 eram movidos a etanol. Segundo ele, esse foi o melhor momento do setor: com o programa Proálcool, até os caminhões que transportavam a cana eram movidos pelo combustível de origem vegetal.
Hoje, a Unica procura mostrar que os problemas do passado foram superados e não há risco de descontrole de preços ou desabastecimento.
O que permitiu o avanço do etanol no Brasil foi a chegada dos carros flex, em 2003. De acordo com dados da Unica, 533 milhões de toneladas de CO2 deixaram de ser lançadas na atmosfera desde o lançamento dessa tecnologia até fevereiro de 2019.
Hoje, 97,7% dos carros produzidos no Brasil podem ser abastecidos com álcool ou gasolina, puros ou misturados em qualquer proporção.
A conta é por equivalência: considera o quanto de CO2 é absorvido pelo cultivo da cana e inclui no cálculo o gás carbônico que é gerado em outras etapas do processo, do plantio às bombas de combustíveis. O transporte a partir dos canaviais e a distribuição do álcool nas cidades é um ponto negativo por utilizar caminhões movidos a diesel.
A entidade que representa a indústria da cana diz que, em comparação à gasolina, o etanol proporciona uma redução de 90% nas emissões dos gases causadores do efeito estufa. Em relação ao diesel S10, com baixo índice de particulados, a diminuição é de 50%.
Evandro Gussi, presidente da Unica, diz que uma das possibilidades é a exportação de etanol anidro para que seja misturado ao combustível fóssil em outros países, como já ocorre no Brasil.
Ele afirma que os carros a gasolina mais modernos já aceitam percentuais altos de álcool sem apresentar falhas, citando o exemplo de modelos premium produzidos no Brasil.
De fato, isso ocorre. A evolução dos motores e dos sistemas de injeção de combustível permitem ajustes eletrônicos que adequam os automóveis a mudanças como essa. No entanto, é necessário usar os mesmos parâmetros adotados no Brasil, onde a gasolina comum recebe a adição de 27% de etanol anidro.
Asiáticos, norte-americanos e europeus também precisariam se adaptar ao consumo maior dos carros como resultado da adição do combustível brasileiro, que tem menor poder calorífico.
Caso as propostas da Unica sejam aceitas por grandes mercados, haverá necessidade de aumentar a produção de etanol. Gussi diz que isso será possível sem desmatamento, apenas aproveitando áreas que antes eram usadas na pecuária.
O presidente da entidade afirma que a modernização dos métodos de criação de gado permitiu reduzir os espaços necessários para essa atividade. As terras que ficaram disponíveis permitem aumentar em seis ou sete vezes as áreas usadas hoje no cultivo da cana.
A estratégia para convencer países que hoje criam legislações que favorecem a eletrificação dos carros também passa pelos dados de emissões de CO2 e de poluentes.
Gussi diz que a poluição causada por usinas de carvão, fornecedoras de grande parte da energia consumida em países da Ásia, pode tornar carros movidos a eletricidade mais nocivos ao ambiente do que um veículo a gasolina.
Isso ocorre porque, quanto mais automóveis desse tipo existirem naquele continente, maior será o consumo dessa energia “suja”.
Outro problema está nas linhas de montagem. “Existem estudos sobre a produção de baterias que mostram que o nível de geração de CO2nesse processo é muito elevado, podendo levar anos para que um carro elétrico compense no uso essas emissões”, diz Renato Romio.
Contudo, as matrizes energéticas também estão mudando mundo afora, com adoção de hidrelétricas —que dominam o fornecimento no Brasil— e o avanço, ainda tímido, de fontes eólicas e solares, eficientes para atender a microrregiões. Nesse cenário, o etanol é uma alternativa viável no curto e médio prazos, por depender de menos investimentos industriais.
As montadoras instaladas no Brasil se preparam para uma possível expansão do etanol, que abriria espaço para a exportação de carros e de tecnologia.
A Toyota lança no fim deste ano o Corolla Hybrid Flex, que pode rodar por trechos urbanos usando apenas eletricidade e também combiná-la com etanol. Outras montadoras também desenvolvem alternativas baseadas no uso do álcool, como a Nissan e o grupo FCA Fiat Chrysler.
“O etanol conversa bem com a eletricidade, é um ciclo que se fecha”, diz Ricardo Bastos, diretor de assuntos governamentais da Toyota do Brasil.
Porém, a queima do etanol também emite poluentes. É por isso que a tecnologia híbrida é interessante para grandes cidades, já que permite gastar apenas eletricidade para rodar em trechos curtos e de baixa velocidade, situação mais crítica para o ambiente.