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Fonte: Reuters

A Petrobras encontrou atividade suspeita em seu negócio de comercialização de petróleo —e não conseguiu pará-la— seis anos antes de um suposto escândalo de corrupção naquela unidade em 2018, de acordo com três fontes com conhecimento da situação e documentos vistos pela Reuters.
Uma investigação interna de 2012 na estatal de petróleo mostrou mais de duas dúzias de casos em que os traders no escritório da Petrobras em Cingapura pagaram a mais em negócios de combustíveis, disseram as fontes.
Grandes empresas de petróleo frequentemente compram e vendem produtos de petróleo, aproveitando as diferenças de preço para maximizar os lucros. Em 2013, alguns funcionários recomendaram a interrupção de transações com uma corretora em particular, que consistentemente vendia combustível para a Petrobras a preços acima do mercado, de acordo com as pessoas.
Mas os negócios continuaram a pedido de pelo menos três gerentes da empresa, disseram as pessoas.
A pouco conhecida corretora de combustível Seaview Shipbroking Ltd foi posteriormente envolvida pelos promotores na Lava Jato, importante investigação que apurou esquemas bilionários de corrupção na Petrobras.
Autoridades dizem que este capítulo da Lava Jato está apenas começando.
Os promotores em dezembro alegaram em documentos públicos que quatro das maiores empresas de comércio de commodities do mundo —Vitol, Trafigura, Glencore e Mercuria Energy Group— usaram intermediários para utilizar pelo menos 31 milhões de dólares em propinas para corromper funcionários da Petrobras.
Em troca, os promotores dizem que esses funcionários teriam comprado petróleo e derivados a preços inflacionados ou venderiam a preços com desconto, entregando lucros descomunais para as partes do outro lado desses negócios.
Os promotores alegam que tais transações eram rotineiras entre pelo menos 2011 e 2014 entre alguns funcionários da unidade de negociação da Petrobras, que tem escritórios espalhados pelo mundo.
A Reuters não conseguiu localizar informações de contatos ativos para o Seaview Shipbroking. Promotores brasileiros que investigam a corretora têm se concentrado em Konstantinos Kotronakis, um ex-cônsul grego no Rio de Janeiro. Eles alegam que a Kotronakis usou uma conta bancária da Seaview que ele controlava em Luxemburgo para administrar propinas relacionadas aos negócios de combustível da Petrobras. Kotronakis não foi acusado de um crime.
No Brasil, não é incomum que os promotores aleguem os delitos cometidos por suspeitos em documentos publicamente disponíveis —e citam evidências nesse sentido— sem cobrar imediatamente essas pessoas. Até agora, os promotores acusaram 14 pessoas, seis delas ex-funcionários da Petrobras, e disseram que mais acusações estão por vir.
Um advogado da Kotronakis disse que desconhecia a auditoria da Petrobras e que seu cliente não era um dos proprietários da Seaview.
A Glencore, cujas subsidiárias teriam canalizado subornos através da Kotronakis, de acordo com os promotores, recusou-se a comentar sobre suas supostas negociações com o empresário.
A Petrobras se apresenta como uma vítima dos esquemas ilegais investigados pela Lava Jato.
Mas a petroleira não comentou sobre a investigação interna da sua mesa de operações de Cingapura. A empresa ressaltou à Reuters declarações anteriores, nas quais a companhia disse que está empenhada em erradicar problemas, com progressos na melhoria de seus programas de conformidade desde que o escândalo da Lava Jato teve início, em 2014.
A Petrobras divulgou no mês passado que a Comissão de Comércio de Futuros de Commodities dos EUA solicitou informações sobre aspectos de suas operações de trading relacionadas à investigação brasileira. O Departamento Federal de Investigação dos EUA também se juntou à investigação.
Mercuria, Vitol, Trafigura e Glencore disseram que estão cooperando com a investigação brasileira. Todos enfatizaram seu compromisso com práticas comerciais éticas. Mercuria negou irregularidades.
A Mercuria e a Trafigura não responderam a pedidos adicionais de comentários sobre esta matéria. Vitol se recusou a comentar.
SUSPEITA NA COMERCIALIZAÇÃO
De acordo com um relatório interno da Petrobras de dezembro de 2012 e pessoas familiarizadas com o assunto, os gerentes da empresa examinaram 29 compras de combustível na mesa de operações de Cingapura de janeiro a novembro do mesmo ano.
Em 28 dessas transações, segundo o relatório, a Petrobras pagou acima das taxas vigentes para o chamado “bunker”, combustível utilizado por navios. Em dez desses casos, segundo o relatório, o prêmio chegou a pelo menos 20 dólares por tonelada métrica.
Os documentos vistos pela Reuters não forneceram um valor acumulado que a Petrobras supostamente pagou em excesso. Mas, dados os grandes volumes de produtos envolvidos, os promotores disseram que até os pequenos acréscimos por unidade de produto poderiam gerar enormes lucros ilícitos para os comerciantes ao longo do tempo.
De acordo com um documento não-público da Polícia Federal de 2017 visto pela Reuters examinando irregularidades comerciais na Petrobras, bem como duas pessoas familiarizadas com o assunto, a Seaview estava entre as empresas que facilitavam negociações suspeitas em Cingapura.
Os promotores dizem que a Seaview funcionava essencialmente como uma intermediária que ajudava as grandes empresas de comercialização de commodities a depenar a Petrobras. A Seaview executou negociações de combustível vantajosas em seu nome, e distribuiu subornos através de contas no exterior, disseram as autoridades.
Nos primeiros meses de 2013, surgiu na Petrobras um debate interno sobre a possibilidade de interromper negócios com Seaview, de acordo com os documentos e as pessoas. A Petrobras se recusou a fazê-lo, disseram eles, depois que alguns gerentes seniores argumentaram que a companhia de petróleo poderia perder dinheiro limitando o número de corretores com os quais interage.
Entre as pessoas que apoiaram a manutenção do relacionamento estava Marco Antonio Costa Tritto, que era então gerente das operações de “bunker” da Petrobras, de acordo com as pessoas e documentos, datado de 2013. Ele agora é gerente-geral de uma das subsidiárias europeias da Petrobras, segundo documentos de registro do Reino Unido.
Costa Tritto recomendou à Reuters que procurasse à sede da Petrobras para pedidos de comentários. A Petrobras disse que não iria comentar.
Outro funcionário da Petrobras que apoiou a Seaview, Jorge de Oliveira Rodrigues, foi acusado pelo Ministério Público em dezembro por embolsar subornos e lavagem de dinheiro em conexão com o esquema de comercialização de petróleo.
Um advogado de Oliveira Rodrigues, que está aposentado, disse que não comentaria.
Os promotores identificaram transações suspeitas envolvendo o Seaview até fevereiro de 2014.
Após duas auditorias adicionais em 2013, a Petrobras apontou pelo menos três funcionários por conduta imprópria, nenhum dos quais foi demitido, disseram as pessoas.
Entre eles, disseram as fontes, estava César Joaquim Rodrigues da Silva. As autoridades brasileiras o prenderam em dezembro, acusando-o de lavagem de dinheiro e embolso de subornos em conexão com o suposto esquema de propina.
Um advogado de Rodrigues da Silva se recusou a comentar.
Outro trader, Daniel da Silva Gomes Filho, também foi considerado culpado pela Petrobras por operações comerciais irregulares, segundo as pessoas. A auditoria da Petrobras de 2012 disse que um denunciante interno alegou que Gomes Filho fez acordos “por debaixo do pano” com contrapartes em negócios de combustível. Ele não foi implicado pelos promotores.
Gomes Filho escreveu em um e-mail para a Reuters que ele foi suspenso por 29 dias pelo suposto incidente e foi submetido a três investigações internas da Petrobras. Ele disse que viajou para a cidade de Curitiba, onde a investigação se baseia, para responder a perguntas de autoridades locais.
“Mesmo depois de seis anos, eles não foram capazes de me desacreditar”, escreveu ele.
Gomes Filho afirmou que se aposentou da Petrobras em 2018.
Reportagem adicional de Julia Payne em Londres

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