Fonte: Carta Capital
No ultimo mês, a Petrobras divulgou seus resultados financeiros e sociais de 2017. As informações apresentadas evidenciam o foco na gestão financeira de curto prazo em detrimento do seu papel social que foi bastante significativo em anos anteriores.
Esses aspectos, associados às amplas mudanças regulatórias do setor petróleo no Brasil e à recém divulgada política de parcerias para o refino da Petrobras, confirmam que há uma nova opção estratégica de longo prazo da estatal brasileira em curso.
É esse aspecto que norteia este texto, o terceiro e último da série de artigos denominada “Análise crítica dos resultados de Petrobras de 2017” e produzida pelo Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (INEEP).
Em que pesem os enfoques dados pela atual gestão na redução do endividamento da Petrobras e na recuperação da rentabilidade da empresa, são os dados operacionais (refino, exploração e produção, energia renovável, fertilizantes, etc.) que sugerem um importante redirecionamento estratégico da Petrobras.
No caso do refino, a estratégia deliberada da Petrobras de reduzir sua participação de mercado (conforme explicitado no PNG 2017-2022), tem sido implementada por uma política de preços dos derivados de paridade com os preços internacionais e pelo modelo de parcerias, recém divulgado pela empresa, que tem como objetivo transferir 25% do mercado de refino para outras empresas privadas e/ou estrangeiras.
Desse modo, gera-se tanto uma expansão das importações de derivados que vem suprindo o aumento do crescimento da demanda, como abre espaço para outras empresas ocuparem o lugar da Petrobras no segmento de refino. E detalhe: o principal alvo de tais parcerias é a região nordeste onde reside um grande potencial de crescimento da demanda interna brasileira.
A consequência disso é que já há um deslocamento de parte do mercado que a Petrobras supria principalmente para importadores de derivados, implicando numa expressiva queda no nível de utilização de suas refinarias (de 82% em 2016 para 78% em 2017, sendo que algumas delas estão operando com capacidade próxima a 50% como a Rlam). Isso provocou o aumento de 4,1% nos custos de refino em 2017 (na comparação com o ano anterior), bem como fortaleceu as importações de derivados.
Segundo dados da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), as importações brasileiras de derivados cresceram 28,5% entre 2016 e 2017, saltando de algo próximo a 430 mil barris equivalentes de petróleo (mbep) por dia para 560 mbep por dia, ao passo que as importações da Petrobras caíram 24,2%. Esses dados revelam que há uma clara redução da Petrobras no fornecimento de derivados, quer seja pela menor utilização de suas próprias refinarias ou pelo aumento da importação e revenda de combustíveis por terceiros.
O que causa enorme estranheza é que a Petrobras abdicou de sua posição de price maker (formador de preço) – que lhe possibilitava mantém maiores margens – para adotar uma posição de price taker (tomador de preço) num mercado claramente oligopolizado da produção e distribuição de derivados, reduzindo de forma deliberada sua capacidade de gerar receita em prol da expansão do mercado (seus concorrentes).
Em relação ao segmento de exploração e produção (E&P), saltam aos olhos a opção da Petrobras de reforçar sua posição de exportadora de petróleo cru. Entre 2016 e 2017, as exportações de petróleo cru da Petrobras se expandiram em 32,3%, saindo de 387 mbep por dia para 512 mbep.
Com isso, a participação de suas exportações de petróleo no total produzido cresceu de 17% para 23% no mesmo período. Ou seja, a produção da Petrobras ficou mais dependente da dinâmica da demanda internacional, aumentando sua vulnerabilidade externa.
Junto disso, cabe ressaltar a estratégia de “abandono” dos campos maduros, principalmente da Bacia de Campos. Apesar do excepcional potencial do pré-sal, os desinvestimentos nas áreas pós-sal da Bacia de Campos – que ainda respondem por cerca de 40% da produção nacional – têm minado os ganhos possibilitados pelo pré-sal em termos de produção.
Exemplo disso é que, mesmo com o crescimento da produção do pré-sal em 26%, o volume total produzido de petróleo e LGN da Petrobras ficou praticamente estagnado ente 2016 e 2017.
Esse fato levanta um questionamento se a estratégia de direcionar todos os esforços apenas no pré-sal seria o caminho mais correto para a empresa, inclusive no curto prazo. Mais grave do que isso, é que a opção de focar crescentemente as vendas no petróleo cru para o mercado externo torna a Petrobras mais dependente da demanda externa e reduz a “agregação de valor” na cadeia de petróleo e gás.
Além das atuais estratégias para o refino e E&P, cabe relembrar que a atual decisão da empresa de reduzir seu papel em outros segmentos da cadeia como energia renovável, fertilizantes etc. Isso fragiliza o papel da Petrobras enquanto uma empresa integrada – em que eventuais resultados negativos de um segmento poderiam ser compensados por outros – e também como um ator importante no processo de transição energética.
Como destacado no segundo texto desta série, “(...) a busca por uma economia de baixo carbono assentada no investimento em startups, como anuncia o atual relatório de sustentabilidade da Petrobras, embora tenha se caracterizado como uma das opções adotadas pelas grandes corporações de petróleo, como apontam estudos, parece ocorrer de forma ainda bastante tímida no caso da empresa brasileira. (...) essa diretriz caminha na contramão do que a própria Petrobras realiza na atual gestão: em 2014, a empresa investiu 1,2 bilhão de reais em PD&I, em 2017 esse montante foi reduzido para 713 milhões”.
Os resultados negativos do balanço da Petrobras de 2017, apresentados no primeiro artigo desta série, refletem enormes equívocos operacionais (enfoque na produção e exportação de petróleo bruto, com menor peso do refino) e gerenciais (curto prazismo e financeirização) e estratégicos (desintegração vertical e de menor atuação em segmentos da cadeia de energia).
Isso inclusive tem criado dificuldades para alavancar a geração de caixa operacional no curto prazo da Petrobras (como visto no primeiro texto da série) e coloca sérias dúvidas sobre o protagonismo da empresa no longo prazo.
Nem a Petrobras e seus acionistas nacionais, muito menos a população, estão obtendo resultados positivos com a atual estratégia da companhia. Por outro lado, quem tem ganhado com isso tudo são os segmentos financeiros, sobretudo o internacional, os importadores/refinadores internacionais, as grandes empresas petrolíferas integradas que ampliam sua atuação no pré-sal e agora podem ingressar no setor de refino nacional.
Em linhas gerais, dada a sua atual estratégia, a Petrobras caminha, no médio prazo, para se tornar uma empresa que só produz no pré-sal (como sócio das petroleiras estrangeiras) e que só exporta petróleo, abrindo mão de outros segmentos, caminhando numa direção inversa ao que vem sendo adotado pelas grandes empresas do setor.
* Rodrigo Pimentel Ferreira Leão é mestre em desenvolvimento econômico (IE/UNICAMP), pesquisador-visitante do Núcleo de Estudos Conjunturais da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e diretor-técnico do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis Zé Eduardo Dutra (INEEP) da FUP.
**Eduardo Costa Pinto é professor do Instituto de Economia da UFRJ e pesquisador do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis Zé Eduardo Dutra (INEEP) da FUP
No ultimo mês, a Petrobras divulgou seus resultados financeiros e sociais de 2017. As informações apresentadas evidenciam o foco na gestão financeira de curto prazo em detrimento do seu papel social que foi bastante significativo em anos anteriores.
Esses aspectos, associados às amplas mudanças regulatórias do setor petróleo no Brasil e à recém divulgada política de parcerias para o refino da Petrobras, confirmam que há uma nova opção estratégica de longo prazo da estatal brasileira em curso.
É esse aspecto que norteia este texto, o terceiro e último da série de artigos denominada “Análise crítica dos resultados de Petrobras de 2017” e produzida pelo Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (INEEP).
Em que pesem os enfoques dados pela atual gestão na redução do endividamento da Petrobras e na recuperação da rentabilidade da empresa, são os dados operacionais (refino, exploração e produção, energia renovável, fertilizantes, etc.) que sugerem um importante redirecionamento estratégico da Petrobras.
No caso do refino, a estratégia deliberada da Petrobras de reduzir sua participação de mercado (conforme explicitado no PNG 2017-2022), tem sido implementada por uma política de preços dos derivados de paridade com os preços internacionais e pelo modelo de parcerias, recém divulgado pela empresa, que tem como objetivo transferir 25% do mercado de refino para outras empresas privadas e/ou estrangeiras.
Desse modo, gera-se tanto uma expansão das importações de derivados que vem suprindo o aumento do crescimento da demanda, como abre espaço para outras empresas ocuparem o lugar da Petrobras no segmento de refino. E detalhe: o principal alvo de tais parcerias é a região nordeste onde reside um grande potencial de crescimento da demanda interna brasileira.
A consequência disso é que já há um deslocamento de parte do mercado que a Petrobras supria principalmente para importadores de derivados, implicando numa expressiva queda no nível de utilização de suas refinarias (de 82% em 2016 para 78% em 2017, sendo que algumas delas estão operando com capacidade próxima a 50% como a Rlam). Isso provocou o aumento de 4,1% nos custos de refino em 2017 (na comparação com o ano anterior), bem como fortaleceu as importações de derivados.
Segundo dados da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), as importações brasileiras de derivados cresceram 28,5% entre 2016 e 2017, saltando de algo próximo a 430 mil barris equivalentes de petróleo (mbep) por dia para 560 mbep por dia, ao passo que as importações da Petrobras caíram 24,2%. Esses dados revelam que há uma clara redução da Petrobras no fornecimento de derivados, quer seja pela menor utilização de suas próprias refinarias ou pelo aumento da importação e revenda de combustíveis por terceiros.
O que causa enorme estranheza é que a Petrobras abdicou de sua posição de price maker (formador de preço) – que lhe possibilitava mantém maiores margens – para adotar uma posição de price taker (tomador de preço) num mercado claramente oligopolizado da produção e distribuição de derivados, reduzindo de forma deliberada sua capacidade de gerar receita em prol da expansão do mercado (seus concorrentes).
Em relação ao segmento de exploração e produção (E&P), saltam aos olhos a opção da Petrobras de reforçar sua posição de exportadora de petróleo cru. Entre 2016 e 2017, as exportações de petróleo cru da Petrobras se expandiram em 32,3%, saindo de 387 mbep por dia para 512 mbep.
Com isso, a participação de suas exportações de petróleo no total produzido cresceu de 17% para 23% no mesmo período. Ou seja, a produção da Petrobras ficou mais dependente da dinâmica da demanda internacional, aumentando sua vulnerabilidade externa.
Junto disso, cabe ressaltar a estratégia de “abandono” dos campos maduros, principalmente da Bacia de Campos. Apesar do excepcional potencial do pré-sal, os desinvestimentos nas áreas pós-sal da Bacia de Campos – que ainda respondem por cerca de 40% da produção nacional – têm minado os ganhos possibilitados pelo pré-sal em termos de produção.
Exemplo disso é que, mesmo com o crescimento da produção do pré-sal em 26%, o volume total produzido de petróleo e LGN da Petrobras ficou praticamente estagnado ente 2016 e 2017.
Esse fato levanta um questionamento se a estratégia de direcionar todos os esforços apenas no pré-sal seria o caminho mais correto para a empresa, inclusive no curto prazo. Mais grave do que isso, é que a opção de focar crescentemente as vendas no petróleo cru para o mercado externo torna a Petrobras mais dependente da demanda externa e reduz a “agregação de valor” na cadeia de petróleo e gás.
Além das atuais estratégias para o refino e E&P, cabe relembrar que a atual decisão da empresa de reduzir seu papel em outros segmentos da cadeia como energia renovável, fertilizantes etc. Isso fragiliza o papel da Petrobras enquanto uma empresa integrada – em que eventuais resultados negativos de um segmento poderiam ser compensados por outros – e também como um ator importante no processo de transição energética.
Como destacado no segundo texto desta série, “(...) a busca por uma economia de baixo carbono assentada no investimento em startups, como anuncia o atual relatório de sustentabilidade da Petrobras, embora tenha se caracterizado como uma das opções adotadas pelas grandes corporações de petróleo, como apontam estudos, parece ocorrer de forma ainda bastante tímida no caso da empresa brasileira. (...) essa diretriz caminha na contramão do que a própria Petrobras realiza na atual gestão: em 2014, a empresa investiu 1,2 bilhão de reais em PD&I, em 2017 esse montante foi reduzido para 713 milhões”.
Os resultados negativos do balanço da Petrobras de 2017, apresentados no primeiro artigo desta série, refletem enormes equívocos operacionais (enfoque na produção e exportação de petróleo bruto, com menor peso do refino) e gerenciais (curto prazismo e financeirização) e estratégicos (desintegração vertical e de menor atuação em segmentos da cadeia de energia).
Isso inclusive tem criado dificuldades para alavancar a geração de caixa operacional no curto prazo da Petrobras (como visto no primeiro texto da série) e coloca sérias dúvidas sobre o protagonismo da empresa no longo prazo.
Nem a Petrobras e seus acionistas nacionais, muito menos a população, estão obtendo resultados positivos com a atual estratégia da companhia. Por outro lado, quem tem ganhado com isso tudo são os segmentos financeiros, sobretudo o internacional, os importadores/refinadores internacionais, as grandes empresas petrolíferas integradas que ampliam sua atuação no pré-sal e agora podem ingressar no setor de refino nacional.
Em linhas gerais, dada a sua atual estratégia, a Petrobras caminha, no médio prazo, para se tornar uma empresa que só produz no pré-sal (como sócio das petroleiras estrangeiras) e que só exporta petróleo, abrindo mão de outros segmentos, caminhando numa direção inversa ao que vem sendo adotado pelas grandes empresas do setor.
* Rodrigo Pimentel Ferreira Leão é mestre em desenvolvimento econômico (IE/UNICAMP), pesquisador-visitante do Núcleo de Estudos Conjunturais da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e diretor-técnico do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis Zé Eduardo Dutra (INEEP) da FUP.
**Eduardo Costa Pinto é professor do Instituto de Economia da UFRJ e pesquisador do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis Zé Eduardo Dutra (INEEP) da FUP