Fonte: Folha de São Paulo
Automóveis movidos apenas a combustíveis de origem fóssil chegam à fronteira final. O motores jamais foram tão eficientes quanto agora, mas as chances de controlar emissões de poluentes se esgotam mais rapidamente que a gasolina no tanque.
Na Europa, soluções em alta para controlar o lançamento de gases que pioram o efeito estufa são banir o diesel e eletrificar os carros.
Essas opções estão distantes do Brasil, onde não há infraestrutura para recarga nem incentivos capazes de estimular a produção de veículos elétricos acessíveis.
Em 2017, apenas 0,2% dos carros vendidos no país eram híbridos ou elétricos, com preços a partir de R$ 120 mil.
Antes que os carros “emissão zero” cheguem de vez por aqui, o futuro mais limpo passa pelo etanol.
Um modelo flex abastecido com álcool emite até 90% menos CO%2 do que com gasolina, diz o engenheiro Henri Joseph Junior, diretor técnico da Anfavea (associação nacional das montadoras).
O derivado da cana ganha força no programa RenovaBio, que incentivará produção e consumo de combustíveis renováveis. Mas há questões de aceitação devido aos preços cobrados Brasil afora.
Em março, o litro do álcool custava R$ 4,02, em média, no Rio Grande do Sul. O valor equivale a 92,7% dos R$ 4,34 cobrados pela gasolina, segundo a ANP (Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis).
Para que seja bom ao bolso, o preço do etanol precisaria equivaler, em média, a 72,5% do cobrado pelo combustível fóssil, segundo estudo feito pelo Instituto Mauá de Tecnologia a pedido da Unica (entidade dos produtores de cana-de-açúcar).
O cálculo considera o quanto a mais um carro consome de álcool na comparação com a gasolina. São Paulo é um dos poucos estados em que o etanol é vantajoso. Seu preço médio em março (R$ 2,87) equivale a 71,9% do cobrado pela gasolina.
Eis o problema: para convencer os donos de milhões de carros flex a priorizar o uso do combustível renovável, o preço do álcool teria de ser menor, a despeito das questões de produção, transporte e tributação estadual.
"Cheguei a procurar postos em que o etanol fosse vantajoso, mas não achei nenhum. Continuo com a gasolina", diz o gerente empresarial Max Braga Fernandes, 43, que mora no Espírito Santo.
No passado, o problema do álcool foi a crise de abastecimento no momento em que 97% dos carros à venda eram movidos por esse combustível, como ocorreu em 1985.
A solução para a crise do petróleo virou dor de cabeça quando o preço da gasolina caiu e os usineiros deixaram de produzir etanol para priorizar o açúcar. Em 2003, com a chegada do carro flex, voltaram os investimentos no combustível renovável.
Hoje, a Unica diz que o setor se recupera das perdas sofridas com a política adotada no governo Dilma, quando o preço da gasolina foi mantido artificialmente baixo.
Muitas usinas fecharam devido a essa estratégia, mas, segundo a entidade, o equilíbrio virá com a tecnologia.
"Caminhamos para as biorefinarias, com produção de etanol a partir do bagaço da cana, de biogás e de bioquerosene de aviação", diz Alfred Szwarc, consultor de emissões e tecnologia da Unica.
Em um futuro ainda distante, o álcool será combinado a motores elétricos, como na versão do modelo híbrido Prius, testada pela Toyota.
A montadora japonesa já confirmou que, neste ano, deixará de vender carros a diesel na Europa e vai investir mais pesado na eletrificação -que ainda tem muitos problemas por resolver.
"A eletrificação zera a emissão de poluentes, mas é preciso questionar se as emissões de fontes de energiaque carregam os carros também são zero", diz Joseph Junior.
De acordo com a EIA (sigla em inglês para Agência Internacional de Energia), 36% da eletricidade usada na recarga de carros vem de fontes menos agressivas ao ambiente, seja energia eólica, solar ou gerada por hidrelétricas.
"A transição para veículos eletrificados é um desafio. Nos mercados com alta tributação, o número de vendas se mantém muito baixo", diz Gleide Souza, diretora de assuntos governamentais do BMW Group Brasil.
Gleide cita o que ocorreu na Holanda e no estado americano de Oregon, locais em que o fim de benefícios fiscais praticamente encerrou a venda de carros eletrificados.
Na Dinamarca, mudanças na legislação fizeram os carros limpos ficarem até 40% mais caros que antes, superando os preços de modelos equivalentes a gasolina. As vendas de veículos "verdes" caíram 60% entre o primeiro trimestre de 2016 e de 2017.
Na vizinha Noruega, incentivos aos elétricos fazem as vendas baterem recordes. No ano passado, 21% dos veículos vendidos por lá tinham tecnologia que permite rodar sem emitir fumaça.